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quarta-feira, 19 de março de 2014

Os marsupiais no Brasil: presente e passado

Didelphis albiventris, exemplo de marsupial americano
A maioria das pessoas desconhece essa informação que a primeira vista parece banal: a existência de marsupiais brasileiros. Se você parar alguém na rua e perguntar se existem marsupiais no Brasil, muito provavelmente a pessoa irá negar e lhe fazer uma expressão de desaprovação. Para a esmagadora maioria, incluindo alguns biólogos, marsupiais são animais exclusivos da Oceania, especialmente do grande território australiano, vindo à mente animais típicos de lá, como os cangurus e coalas.
Mas e os marsupiais americanos, como ficam?
Nós temos uma representativa variedade de espécies de marsupiais! Animais estes, cuja existência passa despercebida, são componentes importantes da fauna americana, em especial na América do Sul. São geralmente animais pequenos e noturnos, que vivem escondidos na copa das árvores e em tocas. Muitos, devido ao seu pequeno tamanho, são confundidos com algum tipo de roedor.
Monodelphis arlindoi, uma cuíca-de-cauda-curta
Antes de prosseguirmos, é interessante diferenciar os três grandes grupos de mamíferos: os monotremos, os marsupiais e os placentários. A grande diferença entre eles está na forma de reprodução destes animais. Os monotremos são mamíferos que põem ovos, como os ornitorrincos e as equidnas. Os placentários possuem uma placenta, um tipo de anexo embrionário que irá conectar o corpo da mãe com dos filhotes durante toda a gestação, nutrindo-o e promovendo as trocas gasosas. Os marsupiais, assunto deste texto, são mamíferos que apresentam uma placenta rudimentar durante os primeiros momentos da gestação, o feto desenvolve os membros anteriores e seu sistema digestório antes de todo o resto. Então o parto ocorre precocemente e o filhote migra escalando os pelos da mãe até chegar em uma mama, onde se fixa com a boca e termina seu desenvolvimento.
Agora, entendidos sobre as diferenças entre as três grandes linhagens dos mamíferos podemos nos perguntar: quem são os marsupiais brasileiros?
Marmosa murina, pequeno porte, com filhotes
No Brasil, a única ordem representando a fauna de marsupiais é a Didelphimorphia, com apenas a família Didelphidae com representantes vivos. Os marsupiais didelfídeos brasileiros são conhecidos popularmente como cassacos, gambás, cuícas, catitas, timbus, dentre muitos outros nomes. Os cassacos ou gambás, representados pelas espécies do gênero Didelphis, são os maiores didelfídeos brasileiros viventes, com indivíduos de Didelphis albiventris ultrapassando 2,5kg, enquanto os menores espécimes, com no máximo 18g, pertencem a catitas Hyladelphys kalinowskii.
Didelphis albiventris com filhotes
Uma característica interessante destes pequenos marsupiais é que muitos deles não apresentam marsúpio, a dobra de pele abdominal onde os filhotes completam seu desenvolvimento, estrutura que batiza o grupo.
As espécies de grande porte da Austrália apresentam um marsúpio bem desenvolvido, formando realmente uma bolsa, enquanto as menores tendem a possuir apenas uma dobra de pele circular. Os gambás do gênero Didelphis, por exemplo, apresentam um marsúpio circular em volta de suas mamas organizadas também numa disposição circular.
Diferente da diversidade de formas que encontramos nos marsupiais australianos, os nossos brasileiros são bem uniformes, eles mantém um padrão corpóreo com poucas modificações. Isso fica bem evidente quando olhamos algumas cuícas de pequeno porte na natureza, elas são todas muito parecidas, com diferenças quase imperceptíveis, dando dor de cabeça até mesmo pros especialistas.
Uma cuíca d'água, Chironectes minimus
Isso não significa que não tenhamos marsupiais didelfídeos mais especializados. A cuíca d’água (Chironectes minimus) possuí as membranas entre os dedos dos pés desenvolvidas, o que permitem uma vida semiaquática. As cuícas-de-cauda-curta do gênero Monodelphis apresentam uma cauda curta e não preênsil, sendo assim animais que preferem ficar no chão, diferente de outras formas, como espécies de cuíca do gênero Marmosops, que preferem ficar nas árvores. Algumas dessas cuícas-de-cauda-curta apresentam pelos de cor ferrugem, como o caso da Monodelphis arlindoi, e por vezes são confundidas com ratinhos.
Os nosso marsupiais são geralmente animais com dietas omnívoras, sendo que algumas espécies tem preferências por frutos, outras por insetos e outras por pequenos vertebrados. As cuícas lanosas do gênero Caluromys, por exemplo, preferem se alimentar de frutos e néctar, talvez sejam até polinizadores das flores de onde retiram esse néctar, enquanto a cuíca-de-quatro-olhos (Metachirus nudicaudatus) prefere comer insetos e a cuíca d’água geralmente se alimenta de peixes e sapinhos.
Uma cuíca do gênero Marmosops

Um fato curioso, é que a alguns milhões de anos atrás a fauna de marsupiais sul-americanos era muito mais diversa, inclusive com formas de grande porte. A extinta Ordem Sparassodonta, por exemplo, possuía representantes que eram grandes predadores! Marsupiais semelhantes aos placentários da Ordem Carnivora (felinos, caninos, ursos...), sendo um exemplo de evolução convergente. Um caso a ser citado é dos marsupiais dentes-de-sabre do gênero Thylacosmilus, eles apresentavam grandes presas semelhantes aos tigres dentes-de-sabre do gênero Smilodon, que são felinos. Outros representantes de esparassodontes eram arborícolas e desempenhavam muitas outras funções no ecossistema.
Essa grande diversidade de espécies endêmicas não só de marsupiais, mas de outros grupos de animais, só foi possível graças ao longo período no qual a América do Sul esteve isolada de todos os outros continentes. Imagine um enorme pedaço de terra, cuja fauna não possuía quase nenhuma interação com a fauna dos outros lugares do globo, isolado por aproximadamente 35 milhões de anos! Esse isolamento permitiu a evolução independente de várias linhagens sul-americanas. Além de ter ocorrido um fenômeno similar ao que ocorreu na Austrália, estes processos de convergência evolutiva entre a fauna isolada com a fauna presente no resto do mundo. Estas formas convergentes possuíam funções equivalentes nos ecossistemas. Um marsupial dente-de-sabre desempenha função de predador de topo, de forma similar ao tigre dente-de-sabre.
Mas então, o que houve com toda essa grande diversidade exclusiva?
A aproximadamente 3 milhões de anos atrás houve a formação do Istmo do Panamá, uma ponte de terra que ligou a América do Sul com as Américas Central e do Norte, isso promoveu um intercâmbio faunístico entre as duas massas de terra. Promovendo a extinção de várias espécies de animais, especialmente as sul-americanas. A hipótese para explicar essa extinção em massa é de que as espécies sul-americanas eram mais fracas competitivamente do que as espécies norte-americanas.
Tigre dente-de-sabre (Smilodon) acima e marsupial dente-de-sabre (Thylacosmilus) abaixo. Ilustração por Carl Buell.
Até alguns anos atrás, se considerava que essa explicação se aplicava para extinção dos grandes marsupiais esparassodontes, acreditava-se que eles haviam sido eliminados por uma forte competição por recursos com os carnívoros placentários que chegavam no continente. Porém, se tem observado uma processo de extinção gradual durante alguns milhões de anos que precederam a formação do istmo. Isso significa que a extinção das diversas linhagens esparassodontes teve vários motivos. Algumas formas arborícolas provavelmente foram extintas com a chegada dos ancestrais dos guaxinins, uns três ou quatro milhões de anos antes do istmo se formar, ou talvez com o advento dos marsupiais didelfídeos. O único exemplo de marsupial esparassodonte cuja extinção é explicada com a chegada dos placentários, é do marsupial dente-de-sabre, que seus registros fósseis desaparecem com a chegada dos tigres dentes-de-sabre.
Este assunto ainda é latente e pouco compreendido, talvez no futuro teremos respostas mais completas sobre os processos que regeram a história dos nossos marsupiais.

Este será o primeiro texto de uma série de textos sobre marsupiais, se gostou, curta nossa página no facebook (https://www.facebook.com/Macaati) e nos ajude compartilhando com seus amigos. Obrigado!

Referências
Sigrist, T. (2012). Mamíferos do Brasil: uma visão artística. Capítulo 8: Ordem Didelphimorphia. SP: Vinhedo. Editora Avisbrasilis.
Vaughan, T.A.; Ryan, J.A. & Czaplewski, N.J. (2011). Mammalogy. 5 Ed. Estados Unidos: Jones and Barlett Publishers. 650p.
Vieira, E.M. & Astúa de Moraes, D. (2003). Carnivory and insectivory in Neotropical marsupials. Pp. 271-284 in Jones, M.E., Dickman, C.R., & Archer, M. eds. Predators with pouches: The Biology of Carnivorous Marsupials. CSIRO Publishing, Collingwood.

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